Nada de especial contava este eletricista deixar nos livros de história, nem sequer nas histórias que seriam um dia contadas às crianças que por consequência da sua atividade tivessem o privilégio de pisar o mundo. Não havia iniciado a revolução das baterias, tão-pouco pôde escrever uma tese sobre o que quer que fosse, a vida não lhe deu condições para tal, porquanto não era versado nos estudos, um facto que o forçou a habituar-se a este jeito de viver que é viajar de casa em casa a ajudar pessoas com ações em concreto. Particularmente banal, mas irrefutavelmente impactante, a sua habilidade ou a consciência que ele tinha desta era suficiente para fazer dele um veículo de boa disposição quando a noite caía e ele tinha de providenciar à mesa outro tipo de coisas que com mais dificuldade se podiam medir mas, sabia, nem por isto eram menos importantes.
O eletricista havia dado início ao seu negócio sozinho, mas depressa este cresceu e ele tornou-se sócio-gerente de uma firma que empregava três funcionários. Cada um destes tinha um respeito profundo por ele, mas apenas o mais velho confiava que não haveria melhor forma de desempenhar as funções do que a forma como as funções estavam a ser desempenhadas. É difícil agradar a todos, e se formos por aí, dificilmente agradaremos a alguém. Enfim, é o que temos, é uma situação que temos de aceitar, que ficou evidente no momento em que a luz falhou numa manhã muito banal numa casa qualquer em que operavam na periferia do Porto. Falamos aqui em periferia não porque seja relevante apurar se isto aconteceu em Gaia ou em Pedrouços, mas para realçar a realidade que é os maiores desastres poderem acontecer em qualquer altura e não só nos grandes eventos que tememos durante semanas. Onde íamos, íamos a dizer que ficou evidente a diferença de admiração dos funcionários pelo nosso patrão porque ao passo que o mais velho tentou tranquilizá-lo os outros dois desataram a barafustar como se a falha se tivesse devido à sua falta de atenção e brio. O eletricista saiu abalado deste episódio e foi para casa de carro sozinho, os subordinados que solicitassem boleia, agora não através de plataformas inovadoras mas através do muito nobre gesto de levantar a mão para os táxis, era o mínimo que podiam fazer depois de terem questionado a sua competência daquela forma tão estapafúrdia.
Felizmente, o resto do dia foi agradável para o eletricista. Incapaz de trabalhar, porque a luz tinha falhado em toda a cidade, decidiu passar pelo parque, sentar-se na relva, ler um livro, atalhar para beira-mar, beber um fino com amigos que já não via há anos. À noite, ao deitar-se, custou-lhe um tanto respirar, mas regressou ao seu estado mais pleno quando já quase a dormitar a luz do quarto se acendeu e ele pulou de alegria não obstante tê-la deixado ligada de manhã ao sair.