Propósito do lanche

Esta rapariga almoça sozinha, mas nós, como equipa grande e respeitável que somos, ocupamos-lhe a mesa por inteiro, ficando esta rodeada por estranhos, um pequeno incómodo que não deverá tirar-lhe o sono porque está de fones e habita num mundo que claramente não é o nosso. Não se lembrará, com grande probabilidade, disto que descrevo, e eu, não fosse a necessidade de dar contexto a esta narrativa, seria vítima da mesma circunstância.

Almoçou sozinha, comeu pouco e agora levanta-se. Entrega o tabuleiro junto à banca, ainda de fones, e dirige-se devagar até ao seu escritório, que deverá ser no primeiro piso num canto qualquer onde possa recolher-se sem ser julgada pelos olhares inevitáveis a que com certeza está habituada. Vê-se-lhe a espinha, ao longe, e quase tropeça nos seus passos. Logo, porventura, tomará um ou dois laxantes e deitar-se-á com muito pouca vontade de repetir isto amanhã. Pergunto-me se tem consciência do perfume que deixa nos espaços, da esperança que imprime em corações, do poder que tem sobre os raciocínios. Não me é claro se esta consciência a faria por fim sorrir ou andar de forma ainda menos convincente.

E agora, parece-me completamente despropositado lanchar.