Recentemente, disse, tive para comigo que no ano que é já possível visualizar em agendas a mais de mês e meio deixarei de asseverar a manutenção de uma série de pressupostos de vida em que depositei esperanças ao longo dos tempos, ou abaterei estruturas que muito me custaram a erguer, no sentido de me dirigir a um lugar maior designado como mudança. Disse-o de mim para mim, mas num soluço fui intercetado por uma alma que me interrompeu com o propósito único de me irritar, pois começou dizendo que era de uma deselegância tamanha que me considerasse superior às construções societais que ditam que a única mudança possível e desejável é mudar a vontade daqueles que desejam mudar, essas criaturas desconcertantes que ocupam o seu tempo com lamentações, enquanto os seus pares se dedicam a uma lavoura que como sabemos contribui para o progresso e a felicidade do todo. Consternado, mas com o meu quê de iluminação, comecei a aproximar-me da tal alma, filosoficamente, isto é, porque fisicamente estava já ela perto de mim porquanto vivia no meu cérebro e o meu cérebro é por definição eu mesmo. Concordei, na verdade, em grande parte com aquela; a minha história havia-me mostrado quão exageradas e desastrosas haviam sido as cogitações e as análises profundas de direção, quão sós pensamos estar quando engajamos com essas divagações, quando a bem ver temos sempre a nosso lado quem tira o melhor de nós. Tendo isto, desfiz-me de todas as ideias; deitei fora os cadernos de objetivos, quedas e ambições, troquei a lista de dez pontos por um magnífico novo corte de barba e duas ou três entradas de classe no guarda-fatos; no dia seguinte todos louvaram a minha cor, mais quente, a minha voz, mais colocada, os meus olhos, mais brilhantes e decididos; então beijei a minha máquina de barbear e abandonei definitivamente as minhas pretensões de mudança além da superfície.