Saio de casa pelas oito, depois um jantar rápido, a sós, a sós está também a rua por onde passo, salvo dois ou três transeuntes que levarão a mesma direção que eu, para onde o destino nos levar, a julgar pela serenidade que deixam transparecer os seus passos. Sigo pela avenida, passo pela Lapa e não tarda chego à Praça da República, e decido continuar em frente, porque para a direita iríamos para oriente e para oriente não há mar. Continuo a descer, e sem querer aparecem-me os Aliados pela frente, toda a imensidão da baixa e da cultura e da portugalidade e do turismo e dos de cá e dos deslocados a comer gelados a tocar guitarras e a cantar baladas, passo São Bento, atalho para a ribeira e daqui vejo o Morro, que lindo está hoje, neste tom amarelo e bucólico maravilhoso que mostra a quem o olha de baixo. E daqui, só há um caminho, o mesmo que o elétrico faria, em dias de verão, hoje por lazer e noutros tempos por labuta, sempre com o cais de Gaia por perto e o imponente rio Douro ansioso por desaguar no Atlântico. As luzes, tão belas e repetidas, iluminam-me a calçada que trilho até ao Passeio Alegre, a partir do qual não há como não seguir até à Anémona e recostar-me silencioso na praia com o mar frio escuro em extensão diante de mim.
Já passa da meia-noite. Tomo um metro em Matosinhos e não tarda estou de novo na Boavista. Não posso deixar de notar que ficou a faltar Campanhã, mas esta, como uma mulher bonita que se ama, merece o dia, a noite e o dia seguinte e desculpar-me-á por não me ter recebido, hoje, nesta digressão noturna.