Estou a chegar a uma idade em que especo demasiado tempo junto aos miúdos. É uma idade que não se caracteriza pelos anos que passaram, mas pela circunstância de ter a carteira mais composta que o coração, porque os amigos de sempre não emigraram comigo, os que chegaram há menos tempo não ficaram, quiseram descobrir-se noutro lugar. Nesta realidade, a possibilidade deu lugar ao concreto, mas o concreto é aborrecido, parvo e solitário. Talvez todos tenham passado por isto, no mundo dos adultos; agora que por aqui me instalei definitivamente, sucumbo à inevitabilidade deste sentimento, como um cão que ladra um bocado na rua a um desconhecido e desiste por tédio.
Os miúdos carregam uma luz muito própria, porquanto, não obstante a indisponibilidade dos pais, a incompetência das escolas, a inação da classe política, têm no bolso um pincel que nós adultos perdemos com a responsabilidade. Depois, graúdos, apagam-se e voltam a acender-se apenas na velhice. Os que lá chegam vivos e sãos são livros feitos de carne, resposta em forma de pessoa.
Uma avó sofre como nós, numa tarde de domingo tempestuosa, mas encontra um gozo único ao equilibrar o açúcar da mousse para agradar à filha que insiste na boa nutrição e aos netos que precisam de um gostinho mais adocicado. Não acertará todas as vezes, mas os seus pratos serão, para todo o sempre, a melhor coisa deste mundo. Eu viajarei, mas não encontrarei nada melhor. Ela sabe-o bem. Pelo sim pelo não, relembramo-la. Nem sempre com palavras, porque as palavras cansam, são limitadas. Às vezes com presença, só. O mais bonito dos tesouros.
Um avô é uma panóplia de histórias, são vários países à mesa, é falante de um dialeto especial feito de hipérbatos. É portador de esperança. É impossível olhar para ele sem admirá-lo, desejar que tenhamos uma vida com pelo menos metade do afeto que ele entregou, metade da criatividade, metade do carisma. Eu julgo que deviam renomear o parque em nome dele. Quando ainda conduzia, ele fazia os vizinhos tão felizes. Acho que ainda se lembra disto. Queria que se lembrasse pelo menos mais um ano das coisas. Mais dois de nós.
Os meus desejos para o novo ano são simples: que nenhuma doença roube o brilho de ninguém, se distribua mais carinho, se façam novas pontes, se fortaleçam as antigas. Que saibamos cuidar dos velhos. Apreciar a vida.