Não há muito o meu pai dizia-me: Filho, não te detenhas nunca em limites, coloca tudo de ti em tudo, mas tem que o mundo é inerentemente injusto. Nunca mo disse desta forma, é certo, mas o que lhe faltava em inteligibilidade tinha-o na consistência que foi empregando na vida. Tentei fazer cumprir uma série de ideais extraordinários, uma visão da vida positivista e reformista, mas nada comoveu os oficiais que entraram hoje em minha casa, sem aviso prévio, agarraram-me pelas pernas e pelos ombros e transportaram-me pelo bairro acima, em terra batida, eu comendo pó e o público em frenesim pela condenação da qual estava prestes a ser informado. Chegado ao centro colocaram-me numa cruz, ergueram-me pedindo que bradasse aos céus e lamentasse os meus pecados diante do povo, atiraram-me medalhas de bronze para cima do corpo, pergaminhos contra as pernas, eu ia jorrando sangue mas as pessoas não arredavam pé, sussurravam as razões que criam ter resultado neste momento, construíam as suas teorias e teciam as próprias objeções, o que me valia de pouco, porquanto não ia modificar o meu destino que parecia ser o da perda total de consciência; se havia algo ainda a fazer, seria ligar a duas ou três pessoas, pedir uma última conversa, deixar tudo resolvido antes que a solução fosse trivialmente imposta pelo término da vida, pelo que levo a mão ao bolso, deslizo pelos contactos com o polegar ensanguentado, e justamente quando vou a chamar o mundo congela e vejo um branco esbatido à minha frente.