Tenho dois filhos. Numa primeira análise, este facto constitui a concretização de um dos desejos racionais mais datados do meu portefólio; durante anos, dizia querer um par, e dizia-o assente numa série de razões fundamentadas. A primeira era egoísta, talvez, meramente financeira: um par é apenas um conjunto de dois e isto significa que não teria de multiplicar as despesas a um ponto em que matasse a trabalhar, decaindo mentalmente e assim diminuindo a minha capacidade de educar decentemente. A segunda era de um âmbito mais societal, ligada à arte do comportamento, e tinha que ver com uma convicção forte de que um e outro, tendo-se um ao outro, evitariam à cabeça as ausências e os excessos de filho único - aquele tipo de ser desamparado que tem em dinheiro o que não tem em sensibilidade -, ao passo que se destacariam dos grupos de irmãos mais extensos pela sua serenidade, reserva no conflito, impossibilidade de fazer uso de passa-culpas.
A forma como estes vieram ao mundo foi, no entanto, convoluta. Eu e a sua mãe, que à data ainda não era mãe, estávamos matando um tempo no banco de trás do meu veículo, e no calor do momento, ou porque tínhamos a necessidade de sentir alguma coisa de excitante após um dia desgastante e burocrático, decidimos ser criativos, deixar cair os procedimentos e ali mesmo protagonizar uma impecável sex scene. Os vidros embaciaram com os nossos suspiros, o que resguardou a nossa imagem; uma vez resguardados, dançamos sincronizados e sincronizados fizemos o impensável que foi, tão jovens, conceber um par de crianças de uma só assentada.
Gémeos, mas não quietos, os personagens senhores meus filhos cresceram saudáveis no útero da minha namorada, que entretanto se tornou esposa. Embrenhados nos preconceitos dos anos noventa, era a única opção possível, para não sermos perseguidos pela igreja ou, pior ainda, pelos amigos e família. Vou ser sincero: foi um choque, mas poupou-nos a uma série de conflitos. A vantagem fundamental do casamento é que revertê-lo é pesado de forma tal que compensa resolver os problemas como gente grande ao invés de fugir com medo, porque queremos experimentar outros sabores de gente, qual viagem ao Auchan, ou queremos trabalhar em nós, o que implica ficar sozinho, porque, veja-se, nunca ninguém trabalhou ou evoluiu acompanhado. Lufada de ar fresco, essa, de nos cingirmos a nós; e tudo porque decidimos ser engraçados dentro do meu carro que nem sequer foi feito para tais aventuras, estou certo disto, pelo menos, não li nunca nos catálogos que o meu pai tinha por casa de berlinas francesas sobre a sua adaptabilidade e resiliência a situações semelhantes às que descrevemos acima e cujos detalhes, agora por razões que ultrapassam o deleite literário - que bastaria por si mesmo, não está isto em causa -, deixaremos à imaginação do leitor.
Comecei por falar dos meus filhos, e atalhei para a minha esposa, o que me acontece muito, porquanto gosto dela, mas não é justo que uma história com um título dedicado a eles acabe sem que eles se dêem a conhecer. Nasceram tranquilamente, no tempo certo, e são hoje dois homens feitos. O meu primeiro filho, ou o filho da esquerda, é alto e discreto; anda ligeiramente curvado e tem dificuldade a falar enquanto conduz. É regrado no amor, mas decidido nas amizades. É uma joia de moço, mas temo que acabe sozinho. O filho da direita, mais largo e composto, é muito popular entre as raparigas, mas rebelou-se dos pais, não para em casa; atormenta-me pensar no que faz nas longas noites em que vagueia pela cidade, e todos os dias peço a deus que o proteja e que proteja os seus companheiros, para o caso de ele tender para uma certa maleficência embriagado e fora de si.
De resto, considero-me um pai com uma vida razoável.