Epidemia (perda de sentidos)

Não vinha dormindo decentemente, mas não era isto novidade; não fruía das coisas seu perfume, mas também isto era corrente. A doença que vinha assolando o mundo foi-me indiferente até que perdi o paladar e por conseguinte a vontade de comer. Frágil, emagreci com uma cadência galopante. Temia, acima de tudo, que a seguir perdesse a audição. Fi-lo saber, num tom dissonante e acusatório. Não era eu, era a doença. Tinha-o como adquirido, porque me conhecia. No entanto, à velocidade com que progredia a infeção, pouco tempo restaria até isso deixar de ser verdade. Perderia, com toda a probabilidade, os restantes sentidos.

Quando vieste, vestida de esperança, me beijaste como se o mundo pudesse implodir ali mesmo, me tranquilizaste a alma com as mãos, como se detivesses o poder de toda a medicina, desentrelaçaste as minhas teias de sombra, personificando um anjo branco, deste-me a conhecer o destino: morreria um homem feliz.