À medida que ia progredindo da sala para o quarto fui-me apercebendo de que o quarto havia mudado, havia mais quarto no quarto, quase que mais espaço no espaço, pois ao invés da minha cama centrada havia três, para acomodar mais dois cidadãos: um casal idoso, que para o propósito desta história é só um, e um jovem locutor de rádio. Mesmo que o jovem tivesse um contrato parcial de arrendamento, e o casal idoso fosse prestável e pouco barulhento, entrei ligeiramente em pânico. Tentei dormir. Já a sonhar pensei que o sonho me transportava para um precipício qualquer quando tive a sensação de queda que na verdade advinha do facto de o rapaz estar a passar por cima de mim para usar a casa de banho suíte, que nesta disposição viu a entrada tapada pela minha cama. Indignado com esta situação, agarro no telefone a meio da noite, acordo o senhorio que me aponta para a renda baixa que pago, para os segundos largos que demoro sempre a atender-lhe as chamadas, uma clara falta de respeito, ao que respondo que lamento o incómodo e tenho mesmo de desligar porque o rapaz pretende sair da casa de banho suíte e tenho de me levantar para ele passar.
Chegado a casa deito-me enfim no sofá e vencido pelo cansaço adormeço, devagar, sem sobressaltos, beijado pelo sol de primavera e sem me dar conta também pelos teus lábios suaves, que hão de permanecer aqui pela noite dentro, para fazermos tudo o que há de mais belo na vida, falarmos minutos que são horas e dias e meses que cabem no espaço entre hoje e amanhã só porque nós moldamos o tempo, desafiamos as estações, fazemos de todo o ano primavera.